De onde estou falando

Todd Hido: Homes at Night

Olá. Como vai?

Por aqui há muita coisa acontecendo. Há uma verdadeira “convulsão sem precedentes”, como dizem as notícias.

A verdade é que por onde eu ando as pessoas estão cansadas. Cansadas de tudo. Mas é um cansaço que causa revolta e muita raiva, por isso o mundo por estas bandas parece sempre muito barulhento.

As pessoas estão aborrecidas, e com razão. Há um grave problema com os governantes, ao ponto de todos os problemas serem apontados para a política. A política é a culpada de tudo isto, dizem.

Mas, então, de uma hora para outra, surge um novo culpado e uma nova discussão começa; quando essa termina, outra começa, até todos entrarem em uma infinidade de discussões.

E, cá entre nós, enquanto eles discutem freneticamente, passa a existir algo ainda mais grave.

O problema é que há uma hipernormalização. As pessoas não conseguem ver além do que já existe e acham que tudo isso é normal. É muita gente tentando resolver seus problemas individuais, blasfemando para todos os lados. No fundo, ninguém se preocupa com o outro. Ele busca a resolução do que os incomoda. O problema, na verdade, é o outro, que me fere, que prejudica minha “liberdade”.

E, sabe, sinto que alguém, talvez o responsável por este caos, esteja em algum lugar vendo tudo isto, rindo de como conseguiu colocar uma contra a outra.

E por trás de toda uma discussão inútil, há o verdadeiro problema. O problema das pessoas que não podem falar, que não tem voz neste tumulto, porque ele virou um jogo de interesse, essa é a verdade, me desculpe. Eles reclamam da política e fazem política, e das mais sujas que tenho notícia.

Sabe o que é mais incrível? Quando parece que eles encontraram um jeito de resolver suas angústias, eles não sabem como lidar com a resposta. Quase sempre, as pessoas tomam a decisão errada. Uma decisão que afeta todos os outros e multiplica a questão problemática, por assim dizer.

Eu notei nessas minhas andanças, no fato de eu não parar em lugar nenhum, que as pessoas, além de furiosas, não estão felizes. Isso parece óbvio, você pode pensar. Mas é algo que vai além de suas discussões, de sua blasfêmia. Lá dentro, lá no fundo delas, mora uma infelicidade muito antiga, que antes estava “hipernomalizada”, mas que passou a se expressar como revolta.

As pessoas estão revoltadas com as outras, porque estão infelizes consigo mesmas, veja só!

Eu não as culpo, na verdade. Vejo que existe sim uma incrível e malevolente pressão externa, que comprime cada uma delas, exige que elas sejam algo, pois, senão, o outro toma o seu lugar.

Ironicamente, as pessoas estão competindo mais, correndo mais, mas sem se quer se levantar de suas mesas. O que sobra desta angústia ocasionada pelo medo de ser “só mais um” é este mal-estar.

Mas veja. Esse mal-estar é convertido em algo bom para um determinado grupo de pessoas e esse grupo de pessoas começa a fazer propaganda em cima desse sentimento. As pessoas passam a lucrar com o sofrimento alheio. Veja se isso não é revoltante.

Aí as pessoas passam a consumir mais para se sentir melhor. Bebem, vão ao shopping, começam relacionamentos efêmeros, compram carros, mudam de casa, se esforçam para acabar com aquele companheiro no trabalho que os atrapalha. E quando tudo isso não é o suficiente para suprir aquela “dormência existencial”, elas começam a consumir TV. Consumir remédio. Consumir terapeutas. Consumir promessas que dizem em letras garrafais que tudo ficará bem.

E depois de inúmeras tentativas de se sentirem melhor, comprando o de melhor, elas hipernormalizam a situação. O anormal passa a ser normal: “É assim que deve ser, então”. E quando essa hipernormalização não cabe dentro de nosso ser, ela se expressa em forma de revolta contra o outro.

E eu estou por aqui, absolvendo sem querer tudo isso.

No fundo, eu também estou cansando. Cansado de tudo ao redor. De tudo que me que cerca. Aos poucos, os caminhos vão se encurtando, as fronteiras vão ficando maiores. Se a ideia é construir um novo muro, desista: não há espaço para mais nenhum.

Talvez eu esteja ficando velho e o fato de eu não ter onde repousar por fim minha cabeça, me preocupa.

Foi aí que eu decidi não me preocupar. Nem deixar que tudo ao redor, toda esta revolta, tire meu foco.

Eu decidi seguir em frente, decidi mudar o meu próprio rumo e, por mais egoísta que isso pareça, não me importar com o motivo de toda essa baderna.

E eu começo a acreditar que eu posso encontrar um lugar sossegado para dormir e passar os restos dos meus dias.

Então, fica comigo. Vamos deixar que o mundo caia do outro lado enquanto nós dormimos ao redor de um belo vale, em um belo chalé no meio do nada.

Vamos nos sentir como naquelas histórias de lenhadores, onde ao fim da tarde podemos ver o céu ficar rosado e deixar a porta aberta para que a brisa morna entre por entre o pequenos cômodos.

Nadar no rio sábado de manhã. Fazer um piquenique à suas margens. Ver o dia nascer e em seguida ir embora, para que possamos ver as milhares de estrelas brilhando como pequenos olhos para nós.

Podemos ter filhos, que farão da natureza seu quintal, das trilhas a calçada, das copas das árvores o teto.

Estou cansado. Cansado dos bombardeios, das vozes que pouco dizem, das máscaras das pessoas, do asfalto gasto. Minhas pernas doem, pedem para encontrar um lugar longe desse “insensato mundo”; um lugar que só nós conhecemos, com diz a música.

Fico te esperando, antes que eles explodam a Terra e levem macacos para Marte.

Atenciosamente – –

*

pequenas ficções dos tempos do exílio

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