Contos Copeiros | A queda da ‘Bastilha Paraguaia’

  • Paraguai 0 – 1 Espanha
  • Copa do Mundo de 2010 – Quartas-de-final
  • Johannesburg – Sábado, 3 de Julho de 2010

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A Espanha chegou à primeira Copa do Mundo em solo africano não só como favorita, mas como a campeã legítima por antecipação.

Dois anos antes, o mítico treinador Luis Aragonés levava La Furia Roja ao seu primeiro título europeu em quarenta e quatro anos, ao vencer a poderosa Alemanha na final da UEFA Euro 2008, disputada em solo suíço e austríaco.

A euforia não era por acaso. No fim da última década, surgia em solo espanhol o modelo de jogo que revolucionaria o futebol moderno. O tiki-taka virou sensação e se tornaria o responsável pela hegemonia espanhola tanto no âmbito das seleções como entre os clubes.

No verão seguinte ao título espanhol, Pep Guardiola daria início aos anos mais prolíferos do FC Barcelona. Seriam dois títulos de Champions League, o tri campeonato da La Liga, três Mundiais de Clube, duas Copas do Rei e outros três títulos de supercampeão da Europa ao erguer a UEFA Super Cup.

Tendo como base o time catalão, Vicente del Bosque foi incumbido de levar a Espanha ao olimpo do futebol após a saída de Aragonés. Não era apenas concretizar o “óbvio”, era exorcizar o papel de amarelona que la roja tantas vezes assumiu ao longo de sua história.

Com fama de “belgicar” em decisões, a Espanha iniciou sua campanha sem conseguir passar pelo “ferrolho suíço”. Um gol solitário de Gelson Fernandes ressuscitava os temores espanhóis. Nem as vitórias sobre a fraca Honduras (2-0) e o bielsismo chileno (1-2) extirparam tal receio.

O time ia para o mata-mata com o título garantido. Bastava saber como La Roja chegaria até a decisão em Johanesburgo com um futebol tão pouco atraente.

Nas oitavas, a equipe faria um duelo ibérico contra Portugal e dependeria do gol de David Villa para ir as quartas-de-final. Era a fase que separava os meninos dos homens. A Espanha tentava chegar às semifinais pela primeira vez em sua história; chegar entre os quatro melhores do torneio seria o primeiro passo para derrubar o rótulo de amarelona e provar da glória mundialista de forma inédita.

Eles chegariam lá, é verdade. Mas antes de vencer a Alemanha rumo à final, a Espanha ainda precisava derrubar a bastilha paraguaia para conquistar o mundo.

El baile paraguayo

A seleção paraguaia sempre foi conhecida pelo seu poder defensivo. E não é por menos: a defesa albijorra já foi composta por Francisco Arce, Carlos Gamarra e o lendário goleiro Luis Chilavert.

Foi dessa forma que o Paraguai assustou o mundo da bola ao parar a França na Copa de 1998, nas oitavas-de-final. O que deveria ser um jogo fácil para Les Bleus, tornou-se um teste de resistência que só acabou graças ao gol de ouro de Laurent Blanc na prorrogação.

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Qual não foi a surpresa, porém, quando, duas gerações depois, o Paraguai passou a fazer algo que não fazia parte de seu DNA até aquele momento: atacar. E o fazia com excelência.

Nas Eliminatórias que levariam a Albijorra para sua oitava Copa do Mundo, a equipe contava com Salvador Cabañas, Nelson Haedo Valdez, Roque Santacruz e Óscar Cardozo no seu setor ofensivo. Atacar tornou-se uma experiência quase natural para quem contava com nomes desse porte.

O time ficaria invicto nos cinco primeiros jogos rumo à África do Sul, com quatro vitórias e um empate, vencendo Uruguai, Equador, Chile e a seleção brasileira. Mas nada seria mais épico para aquela geração ao se classificar com três rodadas de antecedência ao destroçar a Argentina de Diego Maradona no Defensores del Chaco, graças ao golaço de Haedo Valdez.

Tudo ia de vento em poupa até que em janeiro de 2010, véspera da Copa, uma fatalidade golpeava a aspiração paraguaia. Salvador Cabanãs levara um tiro na cabeça em uma boate na Cidade do México, onde jogava pelo América. O jogador não só ficava fora da Copa, como se aposentaria precocemente do futebol.

O time chegava à Copa com um objetivo claro: chegar pela primeira vez nas quartas-de-final. Jogava não só por toda uma nação repleta de esperanças, como também para honrar o nome de Cabañas.

No grupo F, estrearia com empate contra a tetra campeã Itália (1-1); venceria a Eslováquia (2-0) e um novo empate com a Nova Zelândia (0-0) possibilitava o time ir para as oitavas em primeiro lugar.

Enfrentaria o Japão, classificando-se nos pênaltis após empate no tempo normal (0-0; 5-3 nos pênaltis). A Albijorra chegava onde sonhou. O que mais poderia fazer naquele Mundial?

O jogo de infarto

O Paraguai, comandado por Gerardo Martino, decidiu não abrir mão do seu estilo de jogo no Ellis Park em sua primeira empreitada em um quarta-de-final. Defenderia como melhor sabia fazer e aproveitaria a chance quando conseguisse chegar ao ataque.

Del Bosque, à sua maneira, também não trairia o tiki-taka em momento tão importante. Trocaria passes, controlaria o jogo, ditaria o ritmo da partida até encontrar a chance de marcar.

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O Paraguai tentaria retardar o inevitável. A Espanha buscaria desde o primeiro minuto chegar ao inevitável: ao gol e sua ida à semifinal.

Dois estilos completamente opostos. Duas maneiras distintas de praticar o futebol. Uma não coincidia com a outra. Qual não foi a surpresa quando a retranca paraguaia não só impossibilitava o tiki-taka, como o agredia?

Os deuses do futebol dariam à Espanha o tão almejado título. Mas para isso, La Roja deveria ser testada, passar por atribulações como um Jó; provar que poderia jogar mais do que demonstrava àquela altura.

E a Albijorra foi a maior das atribulações na conquista do título espanhol.

Gerard+Pique+Nelson+Valdez+Paraguay+v+Spain+1IxyrZ79vz7l

Martino adiantou a defesa, antecipou a marcação e fechou os espaços. O meio-campo Guarani tirava o espaço da engrenagem espanhola e abria caminho para lançar a bola em direção a Óscar Cardozo e Haedo Valdez, ameaçando a defesa rival.

A Espanha tentava demonstrar controle, construindo jogadas e infiltrando-se pelas pontas, mas todas as tentativas eram abortadas pela salvaguarda sul-americana.

O Paraguai ganhava terreno. Haedo e Santana tiveram chance; Barreto encontrava espaços e Cardozo se insinuava na entrada da área de Casillas. Diante do incômodo, as vuvuzelas zunindo nos ouvidos, foi Xavi quem perdeu a cabeça: zapatazo de fora da área de bate-e-pronto. O chute passou por cima do travessão de Justo Villar e desapareceu na arquibancada.

Mas quem empurrou a bola para o fundo das redes primeiro foi Haedo Valdez. Lançamento da intermediária de Édgar Barreto; a bola atravessou a área espanhola e encontrou o pé de Valdez, que dominou e tirou de Casillas. Posição Normal. Mas não Cardozo. O atacante não chegou à bola, mas fez o movimento de quem a buscava. Por um milésimo de segundo as vuvuzelas cessaram — o coração dos torcedores da Espanha também.

Terminava o primeiro tempo e não era apenas um fantasma que assustava a seleção espanhola. O espectro estava materializado em sua frente e tinha listras vermelhas e brancas.

Se volvió loco, barbarito ¡hay que ingresarlo!

O relógio não chegava nem aos trezes minutos do segundo tempo quando o confronto saiu do controle no Ellis Park. Nem os espanhóis nem os paraguaios premeditaram os dez minutos que se seguiriam.

A bola sobrevoava a área espanhola, quando Piqué puxou Cardozo pelo braço e o levou ao chão. Carlos Batres, o árbitro guatemalteco, viu e apitou pênalti.

Os Guaranis tinham a chance mais clara para derrubar o tiki-taka. O ‘anti-futebol’ que funcionava à base de chuveirinhos e chegaria, no ano seguinte, à final da Copa América sem vencer um jogo sequer, poderia ser o responsável pela derrocada de um estilo de jogo.

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A resistência albijorra buscava naquele conflito sair com dignidade, de cabeça erguida apesar da implacável derrota. Mas o oráculo futebolístico não teria dado o prenúncio de uma profecia autorrealizável? Estariam os paraguaios desafiando o poder divino ao flertar com a vitória impossível?

Seja o que for, Cardozo não ousou transpassar aquela linha. Entregou a bola nos braços de Casillas que repôs a bola para que três minutos depois ela estivesse diante de David Villa, que num raro espaço na fortaleza paraguaia, desequilibrou-se na intermediária e só caiu quando alcançou a área de Villar.

O segundo pênalti da noite. Carlos Batres, que fechou os olhos para a invasão espanhola à área na cobrança de Cardozo e tampouco viu Casillas adiantando-se no gol, estendeu mais um pouco a noite agônica dos espanhóis.

Xabi Alonso parou a comemoração no ato ao ser obrigado a voltar a cobrança e não voltou a fazê-la ao ver Villar defender a segunda cobrança. Sua chance de se redimir tampouco aconteceu, pois Batres ignorou um quarto pênalti na sequência do lance.

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Os paraguaios seriam finalmente colocados ao chão, seja por obra do oráculo seja pelo cansaço. O forte albijorro despencou diante de Iniesta, que rachou a bastilha em duas ao deixar dois defensores paraguaios estendidos no meio-campo e abrir a jogada para Pedro pela direita. O atacante bateu cruzado e viu o Paraguai ser salvo momentaneamente pela trave. A bola acabou sendo entregue a Villa, que batendo colocado, em meio a duas torres que despencavam em sua frente na última tentativa de acudir o baluarte, viu a pelota caminhar sobre a linha do gol e colidir com as duas traves antes de acabar com o sufoco espanhol.

Num impensável ato de loucura, o Paraguai buscou sua última chance de redenção. Lucas Barrios finalizou em cima de Casillas que bateu roupa, dando o rebote para Roque Santacruz, que viu o goleiro se recuperar ao defender seu chute a queima-roupa.

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