Ano Zero

Agência Brasil

Em 2022 fará dez anos desde a primeira vez que votei em uma eleição. Eu sei que ao longo dos cinco processos eleitorais que participei nem sempre fui coerente em minhas escolhas. Mas nesta data histórica, eu não poderei errar. As eleições gerais do ano que vem terão um peso enorme para nosso futuro como país. São definidoras: poderemos comemorar quarenta anos do retorno da nossa democracia — fortalecendo-a — ou a veremos entrar em erosão.

Ao longo da minha infância eu acompanhei meu pai nas votações. O que eu mais gostava era das ruas sujas de “santinhos” de candidatos. Definia bem o clima da data. Era uma tradição das eleições me questionar por que a seção do meu pai ficava em Diadema se ele morou a vida toda em São Paulo após deixar a casa de seus pais, no Ceará. E também nos perdermos, pois nunca sabíamos o local exato em que ele votava.

Só “exercíamos” a democracia até este ponto. Meu pai sempre teve como tradição votar nulo; fosse nas eleições gerais ou municipais, não importava. Pouco se falava de política aqui em casa. A gente assistia à propaganda eleitoral para rir dos candidatos toscos e xingar as pessoas que votariam neles.

Esta hostilidade poderia ser mais um episódio da série “Desta Água Não Beberei, Mas Sempre Acabo Por Beber”. Em 2012, minha estreia nas eleições municipais, eu votei mal. No primeiro turno escolhi Paulo Skaf, presidente da FIES, como candidato. Eu não sei por qual motivo eu o escolhi. Naquela época, eu não atrelava a questão de classe ao voto — de fato, eu nem mesmo pensava em questões como classe. Para expor minha volatilidade, votei em Fernando Haddad no segundo turno.

Talvez me faltasse as pompas de uma eleição geral. Parecia haver mais peso escolher um presidente. Portanto, os problemas cotidianos que eu enfrentava como usuário de transporte público ou alguém que queria acessar a cidade foram deixados de lado. A questão era nacional!

Esta era uma percepção tão intricada em meu pensamento de novo eleitor, que votei outra vez em Paulo Skaf, mas agora para governador. O cara só queria um cargo, fosse ele qual fosse. Dei meu voto e sete anos depois a ideia ainda me é ridícula.

O mais irônico é que 2014 foi a eleição em que eu dei meu primeiro voto por acreditar nas propostas de um político. Ter votado em Marina Silva, então no PSB, ainda me é motivo de orgulho. Apesar de minhas escolhas reacionárias para outros cargos, votei em Marina pelo progressismo que ela representava — principalmente nas questões ambientais e seu foco na educação [1].

Mas aquela fora a eleição que rachou o país no meio. Tudo parecia fora do lugar, inclusive a própria Marina, que só se tornou a cabeça da chapa dos socialistas após a morte de Eduardo Campos em um acidente aéreo [2].

Marina aparecia tecnicamente empatada na primeira colocação nas primeiras pesquisas que constaram seu nome [3]. O fato atiçou a máquina petista e vimos Dilma Rousseff dedicando muito do seu tempo na TV para atacá-la. Isso drenou a campanha da ambientalista — que contou também com erros graves da candidata, como voltar atrás em seu projeto de criminalizar atos homofóbicos após polêmica com os evangélicos [4] — e deu fôlego para Aécio Neves se isolar em segundo lugar nas pesquisas. Penso que isso consumiu Marina fisicamente; ele parecia cada vez mais debilitada em suas aparições em debates.

Foi pela campanha ostensiva de difamação do PT contra ela que Marina decidiu apoiar Aécio no segundo turno [5]. Eu votei nele, mas não por influência — tampouco pelas suas propostas, que eu desconhecia.

Aquelas foram as primeiras eleições após as Jornadas de Junho. Meu interesse por política nasceu ali, vendo os manifestantes ocuparem as ruas em todas as capitais do país e invadirem o Congresso Nacional reivindicando praticamente tudo que o Brasil não nos oferecia.

No poder, Dilma respondeu com repressão policial e com promessas de reformas que nunca se concretizaram [6]. Não fazia sentido eu votar nela e ver o país se incendiando outra vez. Meu voto melancólico em Aécio foi de alguém que queria uma transformação social que nunca vinha.

Em 2016 eu fui à urna um tanto desorientado. Eu acreditava que o impeachment contra Dilma era um golpe e as pessoas que ocupavam a Avenida Paulista trajando camisas da CBF e erguendo patos de borracha estavam lá por motivos errados.

Eu cursava o terceiro semestre de Serviço Social, o que me deu a convicção de que meu voto em Luiza Erundina era o melhor para se fazer. Foi frustrante saber que parte de seus eleitores migraram seus votos para Haddad quando a derrota contra Bolsodoria estava para ser consumada no primeiro turno. Haddad não venceu em nenhuma urna e não foi reeleito.

As eleições municipais daquele ano foram apenas uma prévia de que o fantasma conservador que pairava sobre nós iria se materializar e partir para o ataque. 2018 chegou, e com ele a necessidade de repensar nossa política. Ao contrário disso, eu testemunhei uma campanha radicalizada. Venceu Bolsonaro. Venceu a facada. Venceu a mamadeira de piroca [7].

Pouco se falou das eleições para governador. Mas lá estavam os candidatos estaduais fazendo gesto de arminhas e flexão de braço em uma das conjunturas mais cafonas de nossa História [8].

Eu tenho que assumir minha parcela de culpa. Eu acho que votei no Paulo Skaf pela terceira vez em minha vida! Pode ter sido um delírio, como foi todo aquele ano eleitoral. No segundo turno, ao menos, eu fiz frente ao Bolsodoria [9], que ganhou no grito, acusando o Márcio França de cubano, comunista e toda a artilharia neofascista que ainda presenciamos.

2018 foi a segunda eleição que dei um voto por convicção. Eu votei em Ciro Gomes para presidente. Ele tinha um projeto, uma visão progressista e profunda de país. Apesar de todas as derrotas políticas que o campo da esquerda sofreu nesses últimos dez anos, é incrível pensar que Ciro foi um dos poucos que teve a força de se manter relevante, ser uma opção viável e com envergadura para ser uma oposição natural ao Bozo [10]. 13 milhões de votos lhe deram esta legitimidade.

Lembremos que em 2018 nomes tradicionais no circuito eleitoral caíram no precipício em que nossa democracia dançou a “valsa da morte” ao longo do ano — Marina e Alckmin, por exemplo. Portanto, a votação de Ciro foi muito relevante, ainda mais agora que estamos prestes a voltar às urnas.

Eu nunca disse que o Abrigo era neutro ou apartidário. Tampouco que a partir de agora vou praticar proselitismo. É que nem eu, nem você, temos margens para errar em nosso voto ano que vem. A depender de nossas escolhas, a próxima valsa da morte que nos atrevermos a dançar será a última que terá o Brasil como plano de fundo; um Brasil como nação.

Não quero me tornar um apátrida dentro de meu próprio país. Não quero a manutenção de um aparelhamento do Estado. Para isso, 2022 precisa ser um processo politizante. Não quero vivenciá-lo com a mesma inércia de antes. Não poderemos repetir um voto de ódio ou de negação. Nosso próximo voto deve ser de empatia; pensando naqueles que perderam tudo na terra arrasada que o país se transformou no decorrer deste desgoverno genocida e da pandemia mal combatida pelos nossos políticos.

Só nos resta ir à ofensiva.

REFERÊNCIAS

[1] El País Brasil (30 de agosto de 2014): “Marina lança um programa liberal na economia e progressista no social”. “[…] A candidata promete manter os programas do atual Governo federal, como o Bolsa Família, o ProUni, o Programa Saúde da Família, e também destinar 10% do PIB para a educação nos próximos quatro anos, ou seja, muito antes do previsto pelo Plano Nacional de Educação aprovado em 3 de junho[…].

[2] G1 (13 de agosto de 2014): “Eduardo Campos morre em Santos após queda do avião em que viajava”.

[3] G1 (26 de agosto de 2014): “Dilma tem 34%, Marina, 29%, e Aécio, 19%, aponta pesquisa Ibope”.

[4] BBC News Brasil (5 de outubro de 2014): “Cinco razões que explicam queda de Marina Silva”.

[5] Portal Terra (12 de outubro de 2014): “Marina Silva: “votarei em Aécio e o apoiarei”. “[…] A ex-senadora também criticou a postura da candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT), dizendo ter sofrido ‘ataques destrutivos de uma política patrimonialista, atrasada e movida por projetos de poder pelo poder’ durante a campanha presidencial[…]”.

[6] BBC News Brasil (13 de junho de 2013): “Protestos e repressão acirram tensão em São Paulo”.

[7] El País Brasil (19 de outubro de 2018): “Cinco ‘fake news’ que beneficiaram a candidatura de Bolsonaro”.

[8] Jornal O Globo (19 de junho de 2019): “As flexões de braço de políticos como Bolsonaro e Witzel”.

[9] Último Segundo (19 de outubro de 2018): “Justiça autoriza apreensão de adesivos ‘BolsoDoria’ em comitê do tucano em SP”.

[10] El País Brasil (14 de novembro de 2019): “Ciro Gomes: ‘Meu pescoço já valia ouro, agora vale muito mais’”. “[…] A gente nunca tem direito de errar nas escolhas. Mas somos seres humanos falíveis. Agora, a persistência no erro, após constatada suas consequências, aí já é maldade […]”.

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